segunda-feira, 19 de maio de 2014

A NOCIVIDADE MILITARESCA NA GM-RIO (2)


O Poder Público, com a participação da sociedade, há de prover a "segurança pública" como caminho para o exercício da Cidadania. Na garantia da Segurança Pública deverá o Estado estar atento ao conjunto dos "direitos do cidadão". Não se justifica que, em nome de uma pretensa exigência de segurança pública, sejam sacrificados determinados direitos inerentes à Cidadania.
Como já se sabe, a GUARDA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO é dirigida por uma junta militar desde a sua fundação.

Em todos os cursos de formação dos novos guardas municipais há rígido adestramento de disciplinas como ORDEM UNIDA ao quais os integrantes passam entre 03 a 04 meses marchando, prestando continência, fazendo posição de sentido, meia volta volver, sim senhor não senhor.
Perguntamos então, já viram algum policial rodoviário federal, agentes penitenciários, guardas portuários ou até mesmo agentes da C.O.R.E fazendo todas essas instruções militarizadas pelo simples fato de usarem “uniformes”?

Claro que não, pois seria um absurdo total e afronta a todos os princípios constitucionais de um Estado Democrático de Direito.
Perguntamos humildemente, em qual parte do DECRETO MUNICIPAL 18321/2000 ou do DECRETO MUNICIPAL 38254/14 não deixa duvidas sobre um estranho treinamento militaresco e regime jurídico de exceção (contra o Art 39 CRFB/88)?

Que tipo de instituição civil pode exigir no dia a dia de seus servidores públicos estatutários civis coisas do tipo:
 “(...) respeito e apreço aos seus superiores, pares e subordinados pelo cumprimento, através de CONTINÊNCIA, dirigindo-se a eles ou atendendo-os de modo disciplinado, observando a precedência hierárquica”.

“(...) Quando da aproximação de um superior ou QUALQUER AUTORIDADE, estando sentado, sempre se levantar e prestar a continência”.

“Para apresentar-se a um superior, aproximar-se até a distância de dois passos, tomar a posição de sentido, fazendo a continência individual e dizer em voz claramente audível seu grau hierárquico, seu NOME DE GUERRA e a unidade da Gm-Rio a que pertence (...) e em seguida desfazer a continência.

“Para se retirar da presença de um superior, fazer a continência e pedir licença para se retirar.”

Que tipo de consequências lógicas poderemos deduzir quando se há tais tipos de adestramentos, na conduta de seus agentes públicos em atitudes ostensivas que envolvam cidadãos.
Não estamos pedindo a dissolução da Guarda Municipal do Rio de Janeiro, que acreditamos que um dia cumprirá suas atribuições de proteção patrimonial (hoje loteados por vigilantes privados), mas protestamos pelo uso de disciplinas e culturas organizacionais não compatíveis com servidores civis.

Assim entendemos que o caráter da Guarda Municipal tem que ser de CIVIL, pois ela cuida (ou deveria cuidar) de patrimônio


GM-RIO – guardas patrimoniais em atitudes ostensivas de conflito urbano


Está havendo uma distorção nesta finalidade ou uma falsa percepção de que haverá mais polícia (militar) nas ruas, pois a previsão da Guarda Municipal na Constituição Federal, artigo 144, parágrafo 8º, está nos seguintes termos: "Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei".

O exemplo da sabia decisão do Legislativo Municipal de Belo horizonte que no Projeto de Lei 1.013/2010, em relação à direção do órgão da Guarda Municipal de Belo Horizonte-MG que era comandada por militares. Atualmente, a função de gestor só poderá ser exercida por servidor titular do cargo público efetivo de guarda municipal.  Com a finalidade de desmilitarizar o Estatuto, o projeto decretou a supressão da “continência, já que o gesto se aplicaria apenas a instituições militares. Pela mesma razão, o termo “Comandante” foi substituído por “Chefe”, exercida por servidor titular do cargo público efetivo de Guarda Municipal, integrante de sua estrutura funcional. Até então, o comando tem sido exercido exclusivamente por militares.
O mesmo aconteceu com a Guarda Civil de Limeira-SP que em 01/03/2012 aboliu o gesto da continência. Ou o que dizer da Guarda Municipal de Aracaju-SE que realizou greve no mesmo ano contra tal aberração jurídico-administrativa de militarizar civis.


Guardas (civis) municipais no “batalhão da Gm-rio” prestando continência

E é isso que subterraneamente acontece todos os dias na GUARDA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO, prestar continência a superiores hierárquicos que se auto denominando “comandantes”.

A própria ideia de prestar continência, que é característica da atividade militar, é incluída no regimento da Guarda. Se a sociedade hoje luta pela desmilitarização das polícias, o que dizer das Guardas Municipais.

Louvável foi o exemplo do Ministério Público do estado do Ceará que propôs ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra as leis que tratam da organização, finalidade, competência e estrutura organizacional básica da Guarda Municipal de Fortaleza e Sistema Municipal de Segurança e instituem o regime disciplinar da Guarda Municipal, justificando que parte delas ofende a Constituição do Estado do Ceará, a Lei Orgânica do Município de Fortaleza e o art.144, caput e § 8.º, da Constituição Federal.
A Guarda Municipal destina-se à proteção dos bens públicos municipais, sendo-lhe estranhas as funções de patrulha, segurança dos cidadãos e policiamento ostensivo.


Guardas municipais no “batalhão da Gm-rio” fazendo Ordem Unida

Esse modelo de militarização da administração pública no Município do Rio de Janeiro que está sendo praticado é uma tentativa errada de fazer funcionar a máquina pública. Pressupõe condutas que devem ser vetadas pelo agente público. Representa uma ameaça à ordem municipal e aos princípios e objetivos da gestão pública.

Observamos uma espécie de Militarização Ideológica, por transpor para a área da segurança pública patrimonial concepções, valores e crenças da doutrina militar, acarretando no seio da sociedade (a ideologia não atinge só os policiais) a cristalização de uma concepção centrada na ideia de guerra (quando se tem um inimigo declarado ou potencial a ser destruído com a força ou neutralizado com a inteligência quase militar). Daí a concepção maniqueísta - os "bons" contra os "perigosos" da sociedade - refletida nas práticas do sistema policial-judicial, e reforçada pelos gritos de combate dos "bons" ante a violência dos bandidos: "Isto é uma guerra!". São as táticas dos "cercos", das "blitzen", das "tomadas" e "ocupações" de territórios.
Nisto posto, é o guarda municipal que sob ordens incontestáveis e inquestionáveis usa bastões contra vendedores ambulantes, contra grevistas de outras classes, em operações de “choque de ordem”, desapropriações e recolhimento de população em situação de rua .

Como podemos admitir regimento que doutrina civis as práticas da caserna?



POLICIA CIDADÃ X POLICIA DO ESTADO (e o que herdou a GM-RIO)


Ora, se o rol do artigo 144 da CRFB/88 é taxativo, não se pode tolerar a atuação da Guarda Municipal em exercício de polícia ostensiva (preventiva).

[...] preservação da ordem pública engloba inclusive, a competência específica dos demais órgãos policiais, no caso de falência operacional deles, a exemplo de greves ou outras causas, que os tornem inoperantes ou ainda incapazes de dar conta de suas atribuições, funcionando, então, a Polícia Militar como um verdadeiro exército da sociedade. Bem por isso as Polícias Militares constituem os órgãos de preservação da ordem pública para todo o universo da atividade policial em tema da ordem pública e, especificamente, da segurança pública. (Min. Gilmar Mendes, à época Advogado-Geral da União).

O controle social de uma polícia cidadã é aquele que sai da sociedade e entra para a polícia. É uma visão completamente diferente da atualmente existente (POLICIA QUE PROTEJE O ESTADO E NÃO O CIDADÃO). O próprio Ministério Público, que tem como uma de suas responsabilidades o controle da polícia, afirma que essa tarefa é difícil. Para a sociedade, que carece de segurança pública, o peso é maior. Há muito tempo a sociedade está afastada dessa discussão.
 
(Grupamento de Operações Especiais – GOE, fazendo curso no BOPE/PMERJ)
 
Alguns pontos de sua estrutura e funcionamento das polícia militar (a mesma que dirige e controla a GM-RIO desde a sua fundação. Reflexos na estrutura administrativa dirigente. Reflexos no escalonamento hierárquico e moldagem de aculturação comportamental.
1.    a logística atual da polícia de controle é pesada, enquanto a da polícia cidadã é leve;
2.    a formação da polícia de controle é boa, mas é etnocêntrica, não integrada, e a da polícia cidadã é mais interativa, unificada;
3.    a disciplina na polícia de controle é autoritária, centrada nas atitudes inadequadas, na apresentação, na uniformização de policiais, enquanto na polícia cidadã deve estar baseada na ampla defesa do policial, na possibilidade de ter o contraditório e também centrada na conduta operacional asséptica à corrupção, por exemplo, a hierarquia, na primeira, tem muitos graus (soldado, cabo, sargento, subtenente, tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel), o que, na polícia cidadã, precisa ser adaptado, ou seja, deveria ter os níveis adequados à ação que produz.
A GM-RIO formatou seus níveis hierárquicos em Gm1, gm2, Gm3, Gm4, Gm5, Gm6. A partir de gm3, ostentam estrelas nos ombros. A PM possui um setor interno de investigação denominado P2, a Gm-Rio possui a G2.
4.    A polícia atual prende para investigar, enquanto a polícia cidadã deveria investigar para prender, seria uma polícia mais inteligente.
5.    A polícia de controle usa técnicas de troca de favores, de alcaguete, com dinheiro para pagar os informantes, e a polícia cidadã usa outra tecnologia, como a escuta judicial, técnicas de prova científicas (DNA), que possibilitam um avanço muito forte na perícia.
6.    Os bancos de dados são separados na atual organização policial. A polícia cidadã teria um banco unificado ou bancos inter-relacionados.
7.    Também sobre essa questão dos bancos de dados e a produção das estatísticas, na polícia de controle o uso das informações segue a regra do segredo, de não repassar informações, de deixar escondido, de não ter a transparência. Já a polícia cidadã colocaria a base de dados disponível, socializada, permitindo o acesso de estudiosos e pesquisadores. Essa cultura do segredo precisa ser redefinida e instalada nas organizações a fim de não representar uma dimensão de poder.
8.    Na polícia de controle, a polícia é o poder, enquanto na polícia cidadã, a polícia é serviço.
9.    As políticas de segurança pública, na polícia de controle, são isoladas e o político não interfere.
10. A presença dos policiais, na polícia de controle, está basicamente onde circula a classe média; as viaturas ficam paradas em cruzamentos de grande circulação, para poder chamar a atenção da sociedade que mais tem repercussão sobre a questão da mídia. A polícia cidadã deveria estar mais presente nos locais de vulnerabilidade social.
A Maior concentração das unidades da GM-RIO (inspetorias e UOPs) é na zona sul. Na zona oeste quase não há guardas municipais
A polícia estadual, do jeito que está retratada, só incentiva o corporativismo, a corrupção, a omissão, a falta de responsabilidade com o local de trabalho e as dificuldades na elucidação dos ilícitos. Continua atuando dentro de estratégias militares e ações puramente repressivas.
Por uma simples lógica, desde os regimes brasileiros de governo do século XX, a polícia MILITAR protege o Estado, e não o cidadão.
O que podemos esperar de uma Guarda Civil moldada e dirigida por militares?
 
 
 
 
 
 
 

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