quarta-feira, 1 de maio de 2013

H.C DA INVASÃO DO FACEBOOK. CBMERJ

Processo No 0051271-89.2013.8.19.0001

 Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado por CARLOS FERNANDO DOS SANTOS AZEREDO, em favor de FRANKLIN ROSA MIRANDA DA SILVA, no qual aponta o CORREGEDOR INTERNO DO CBMERJ como autoridade coatora. O Impetrante sustenta, em apertada síntese, que o Paciente foi punido com cinco dias de detenção ´por ter incitado outros militares e promovido pleito coletivo, através de textos postados em tópico de discussão em uma rede social virtual´, salientando que a sindicância instaurada pela Portaria nº CBMERJ/SIND/CI/361/2012, a qual deu origem ao Processo Administrativo Disciplinar nº CI/JD/300/2012, se valeu de provas obtidas por meios ilícitos, violando o sigilo de comunicações de caráter privado e não públicas. Neste sentido, destaca que foram acessadas mensagens de um grupo fechado da rede social Facebook, além de utilizadas cópias de dois e-mails enviados pela também sindicada VIVIANE CARVALHO.

O Impetrante ressalta ainda o cabimento do habeas corpus no âmbito das punições disciplinares militares no caso de ilegalidade ou abuso de poder. Destaca ainda que os diálogos usados na Sindicância que ampara a punição eram vinculados a um perfil próprio denominado ´Grupo GSE/CBMERJ´, sendo restrito aos integrantes do grupo, eis que classificado como ´fechado´ naquela rede social, razão pela qual resta ´clara a natureza privada das mensagens e a ausência de publicidade dos diálogos, o que indica ter havido um acesso ilegal ao conteúdo de mensagens mantidas por meio eletrônico´. Ressalta o Impetrante a importância da liberdade de manifestação e de pensamento, a qual também se aplica aos militares, eis que assegurada em âmbito constitucional. Ao final, requer, liminarmente, a concessão da liberdade do paciente e, no mérito, a anulação da punição manifestamente ilegal aplicada ao Paciente.

Com o recebimento da exordial por este Juízo, foi deferido o pedido liminar, pondo-se o Paciente em liberdade até o julgamento do mérito do writ, bem como solicitadas as informações pertinentes à autoridade nomeada coatora (fls. 222/223). Posteriormente, requereu o Impetrante a extensão dos efeitos da decisão liminar a LUIZ CARLOS THIENGO SANTANA, JOÃO GUILHERME DE FREITAS, VIVIANE FERREIRA CARVALHO, BRUNO BATISTA COUTINHO DA SILVA, PRISCILA FERREIRA RUFINO, PRISCILA PAULA GOMES, TIAGO GERALDO DE QUEIROZ, VANDERSON DA CONCEIÇÃO MARCONDES, RENATA TORRES TRAJANO LEITE, ROBSON DE AGUIAR DA SILVA, GUSTAVO SOARES DO CARMO, RODRIGO DA COSTA CUNHA, ANDERSON LAUDELINO CARDOSO, ANDERSON SANTANA DE SOUZA, DANIEL NATA GOMES DE LIMA, MARCOS NUNES DE OLIVEIRA, RENATA NOBERTO ARAÚJO, DANIELA BRANCO CABRAL DA PONTE e MÉRCIA JESUS DA SILVA, que também se encontravam cumprindo punição administrativa em razão da mesma Sindicância, salientando que ´a decisão liminar que determinou a soltura do paciente não se assentou em circunstâncias de caráter exclusivamente pessoal´ (fls. 224/236), o que foi deferido pelo Juízo (fls. 246). Informações da Autoridade nomeada coatora, o Ilmo. Corregedor Interno do CBMERJ, acostadas às fls. 250/266, sustentando a legalidade da prisão em tela, requerendo a revogação da liminar concedida e, no mérito, seja negada a ordem de habeas corpus. Neste sentido, salienta que, em função da atuação dos militares vinculados ao movimento reivindicatório, ´a repressão enérgica a tais grupos é uma questão de Segurança Pública, impondo-se a ponderação entre o direito ao sigilo de correspondência, manifestação do pensamento e o direito à segurança da sociedade, devendo este prevalecer frente àqueles´. Afirma que o grupo fechado de Facebook recebera a denominação de um órgão público (GSE/CBMERJ) e qualquer pessoa poderia visualizá-lo achando tratar-se de meio de comunicação oficial e solicitar sua participação e, ao ser aceito, poderia acessar as informações. Afirma que ´todas as reprografias juntadas aos autos da sindicância foram oriundas de denúncia anônima, encaminhada ao Comandante do GSE/CBMERJ´, que ´encontrou na porta do seu gabinete um envelope lacrado´, e que o e-mail encaminhado pela SGT BM VIVIANE CARVALHO foi encaminhado a diversos destinatários, incluindo ´para o endereço particular de um agente desta Corregedoria Interna e de uma oficiala que foi já foi (sic) lotada no GSE/CBMERJ´, não tendo ocorrido uma ´devassa´ por parte da Administração Pública. Aduz ainda que a liberdade de manifestação do pensamento deve ser mitigada em relação aos militares, ´onde o respeito, a disciplina e a hierarquia devem ser rigorosamente observados´. O Impetrado afirma que, apesar de as manifestações do grupo fechado do Facebook e do e-mail terem sido obtidas anonimamente, há ´outros suportes probatórios´ a lastrear as punições, tendo sido assegurado aos militares o direito ao contraditório e à ampla defesa. Salienta ainda que nenhum dos militares pleiteou administrativamente a reconsideração do ato. Promoção ministerial às fls. 268/275, na qual o Parquet Estadual opina pela concessão da ordem pretendida, posto que o direito constitucional ao sigilo da correspondência deve ser interpretado de forma ampla, abarcando redes de mídias sociais, conforme reconhecido pelos Tribunais Superiores. Destaca que ´a inviolabilidade das missivas não pode transcender o campo das partes envolvidas para servir de prova em processo administrativo disciplinar com resultado positivo´, bem como que ´a prova utilizada é, pois ilícita na origem e contaminou todo o processo administrativo, que não pode se calcar neste baseamento, que lhe foi único´, devendo preponderar a intimidade e privacidade dos requerentes. É o relatório. PASSO A DECIDIR. Sem adentrar ao mérito administrativo da punição disciplinar ora atacada, eis que matéria intangível ao Poder Judiciário em razão do princípio constitucional da separação de poderes e da vedação expressa imposta pela norma do art. 142, § 2º, da CRFB/88, a questão de fundo do presente habeas corpus cinge-se à legalidade ou não da forma como foram acessados o teor do grupo fechado ´GSE/CBMERJ´ e o e-mail privado da militar VIVIANE CARVALHO. Instado a esclarecer especificamente este ponto, o Ilmo. Corregedor Interno do CBMERJ afirmou que ´o conteúdo das manifestações do 'grupo fechado' GSE/CBMERJ e do e-mail confeccionado pela Sgt BM Viviane Carvalho foram impressos e colocado (sic) em um envelope lacrado´, o qual foi ´colocado na porta do gabinete do Comandante do GSE/CBMERJ´, que, por seu turno, se encarregou de repassar o material à Corregedoria Interna, onde foi instaurado o procedimento inquisitivo (fls. 259/261). Não se pode olvidar, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CRFB/88, apesar do cunho eminentemente democrático e garantista, explicitamente tratou de modo diferenciado os servidores militares, tanto que, ao estabelecer que ´ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente´, expressamente ressalvou os ´casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei´ (art. 5º, inc. LXI); vedou o habeas corpus em relação a punições disciplinares militares (art. 142, § 2º); proibiu ao militar em atividade a sindicalização, a greve e a filiação partidária (art. 142, § 3º, IV e V); tudo isso porque se tratam de servidores públicos distintos, sujeitos a regimento e Código Penal próprios, notoriamente mais rigorosos, eis que sempre baseados nos princípios da hierarquia e da disciplina. Tais princípios constitucionais, elementos conceituais e vigas-mestras de toda organização militar, incluindo o Corpo de Bombeiros, condensam seus maiores valores e conferem eficiência à sua atuação, a qual se dá quase sempre em situações de crise. Do exposto, percebe-se a importância desses conceitos no âmbito militar, já que a legislação específica dá maior relevo ao respeito à instituição, o que deve pautar os atos de seus membros, e justifica o maior rigor penal castrense. Como bem salientou o Ministro Celso de Mello no HC 104.923/RJ, julgado em 26/10/2010, ´entrar e permanecer nos misteres da caserna pressupõe uma clara consciência profissional e cívica: a consciência de que a disciplina mais rígida e os precisos escalões hierárquicos hão de ser observados como carta de princípios e atestado de vocação para melhor servir ao País...´. Por isso, como elementos essenciais e necessários de sua estrutura, de sua essência, a hierarquia e a disciplina militares não podem ser quebradas, ou mesmo ameaçadas; ao contrário, devem ser sempre preservadas, não como um fim em si mesmas, mas como um meio de resguardar seus maiores objetivos, sendo certo que, para tanto, o próprio Código de Processo Penal Militar amplia o leque de pressupostos para a decretação da prisão preventiva, estabelecendo, em seu art. 255, inciso e, que tal medida excepcional pode ser decretada por ´exigência da manutenção das normas e princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado´. Ocorre que os princípios da hierarquia e da disciplina, assim como os demais princípios constitucionais, não são absolutos, podendo sofrer limitações, especialmente quando em conflito com outros valores de ordem constitucional, destacando-se os direitos e garantias fundamentais. Se no conflito entre leis, uma revoga a outra com base nos critérios cronológico, hierárquico ou de especialidade, no aparente conflito entre princípios, estes devem conciliar-se, devem ser aplicados em extensões diversas, sempre segundo um juízo de ponderação de interesses de acordo com as nuances do caso concreto, sem que um princípio seja excluído pelo outro em razão da aparente contradição entre eles. E neste contexto, segundo jurisprudência do STF, estabelece-se um juízo de preferência entre direitos fundamentais ou entre um direito fundamental e um outro valor constitucional diverso, onde se incluem a hierarquia e a disciplina militares. Deste modo, no Estado Democrático de Direito em que se constitui o Brasil, os princípios da hierarquia e da disciplina encontram-se em plena aplicação. Todavia, como não são absolutos, tais princípios devem ser harmonizados com os demais princípios constitucionais, destacando-se os direitos e as garantias fundamentais, de forma que a hierarquia deva ser exercida como forma de comando em prol dos fins institucionais últimos da Corporação, e não como forma de dominação irrestrita da tropa, ensejando um contexto divorciado da vida em sociedade. É sempre bom lembrar, apesar de sujeitos à hierarquia e à disciplina da caserna, os militares são pessoas, titulares de todos os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição da República, ´sem distinção de qualquer natureza´, simplesmente por ostentar a qualidade de ser humano, sendo as exceções inerentes à condição de militar expressamente ressalvadas no próprio texto constitucional, como nas mencionadas hipóteses previstas no art. 5º, LXI; art. 142, § 2º; art. 142, § 3º, IV e V, dentre outras. Tais direitos não podem ser afastados por qualquer lei em sentido estrito ou muito menos regulamento disciplinar de corporação militar estadual. Na verdade, com a promulgação da CRFB/88, o Regulamento Disciplinar do CBMERJ (Decreto nº 3.767/1980), assim como qualquer legislação infraconstitucional, deve ser relido à luz da Carta Magna e as normas que com ela não forem compatíveis não serão recepcionadas, restando desprovidas de eficácia. Neste sentido, saliente-se, segundo o Ilmo. Corregedor Interno do CBMERJ, ´O sistema jurídico militar vigente no Brasil pressupõe uma indissociável relação entre o poder de mando dos Comandantes, Chefes e Diretores Militares (conferido pela Lei e delimitado por esta) e o dever de obediência de todos os que lhe são subordinados, relação esta tutelada pelos Regulamentos Disciplinares e pela legislação penal militar´. Como já ressaltado, os princípios constitucionais da hierarquia e da disciplina existem e precisam ser observados. Ocorre que os militares - que, como já ressaltado, são pessoas, sujeitos de Direito, e não meros objetos de Direito - possuem uma gama de direitos e garantias fundamentais que também a eles se aplicam, razão pela qual se deve promover uma ponderação entre tais princípios de modo a que um não exclua o outro. Deste modo, não se podem considerar as normas constitucionais fora do sistema em que se integram, sob o risco de haver contradições, devendo-se harmonizar os princípios constitucionais. Uma prova de tal harmonia é o próprio cabimento do habeas corpus em relação às punições disciplinares militares, tal como a presente ação. Isto porque, a despeito da norma prevista no art. 142, § 2º, da CRFB/88, segundo a qual ´Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares´, admite-se pacificamente o cabimento desta modalidade de ação para que o Judiciário analise os pressupostos de legalidade do ato - sem se ater às questões do mérito da sanção administrativa -, coibindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder cometido nesse tipo de punição, quando, por exemplo, não são observados os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (CRFB/88, art. 5º, incisos LIV e LV), direitos constitucionais que SEMPRE devem ser observados nos procedimentos administrativos militares. Aliás, neste sentido, cabe salientar que, apesar de o Corregedor Interno do CBMERJ afirmar que ´As restrições impostas aos militares são aquelas relacionadas pela própria Constituição´, o mesmo esclarece que foi assegurada aos militares durante a Sindicância a observância aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, demonstrando que tem conhecimento de que, apesar de militares, a eles se aplicam tais normas asseguradas na Carta Magna. Ocorre que aos militares não se asseguram apenas estes direitos fundamentais mencionados, mas todos aqueles previstos no extenso rol do art. 5º da CRFB/88, sendo as exceções expressamente ´relacionadas pela própria Constituição´, como ressaltou a própria Autoridade nomeada coatora. In casu, um dos direitos constitucionais desrespeitados é a inviolabilidade do sigilo da correspondência, o qual inclui pacificamente o e-mail e, por extensão, o grupo fechado de Facebook, eis que somente acessível o seu conteúdo pelos seus participantes, e não de forma irrestrita por qualquer pessoa que integre genericamente aquela rede social. Ressalte-se, o próprio Corregedor Interno do CBMERJ reconhece que ´de fato existe um 'grupo fechado', na rede social FACEBOOK, que se intitula 'GSE/CBMERJ'´ (grifei) e ainda esclarece que, para acessar seu conteúdo, faz-se necessário ´ter seu ingresso aceito´ (fls. 254). Ou seja, o próprio Impetrado reconhece que se tratava de grupo fechado e que para acessá-lo era necessária a concordância do responsável pelo mesmo, não sendo seu acesso irrestrito a qualquer usuário do Facebook. Destarte, pelo teor das conversações, pode-se concluir que se alguma pessoa, ´achando se tratar de um meio de comunicação oficial´, solicitasse sua participação no grupo, esta provavelmente seria negada pelo moderador, o que também é irrelevante para a análise do caso em tela. Quanto ao e-mail encaminhado pela SGT BM VIVIANE CARVALHO, o mesmo raciocínio deve prosperar: trata-se de correspondência privada, independente do número de destinatários, e deve ser preservada, eis que seu sigilo é assegurado constitucionalmente. Previsto no art. 5º, inciso XII, da CRFB/88, da sua leitura depreende-se que somente é possível a quebra do sigilo das comunicações telefônicas. Todavia, amparado na certeza de que nenhum direito constitucional é absoluto, admite-se a quebra da inviolabilidade da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados etc. Ocorre que, além de a exceção constitucional restringir-se ´para fins de investigação criminal ou instrução processual penal´, não englobando transgressões disciplinares, sujeitam-se à cláusula de reserva de jurisdição, devendo o juiz competente, com suporte na atuação do Ministério Público, analisar todos os aspectos da quebra do direito constitucional, o que não ocorreu no caso em análise. Ressalte-se, a Constituição da República somente prevê expressamente restrições à inviolabilidade do sigilo da correspondência quando do estado de defesa (art. 136, § 1º, I, b) e do estado de sítio (art. 139, III), ou seja, somente em hipóteses de graves crises institucionais, o que nem de longe representa o atual estágio político deste Estado. Deste modo, não merece prosperar a alegação do Ilmo. Corregedor Interno do CBMERJ no sentido de que se ponderando a intimidade dos militares com a defesa do Estado do Rio de Janeiro, esta deve prevalecer. O que deve prevalecer é a consciência de que, em regra, os direitos fundamentais positivados na Constituição se sobrepõem aos interesses coletivos, sob pena de violação ao princípio da vedação ao retrocesso. Destarte, neste sentido deve prevalecer a lição do Professor Leonardo Greco, senão vejamos: ´No Estado de Direito contemporâneo, vivemos sob a égide do primado dos direitos fundamentais (Constituição, preâmbulo e artigo 1º), sem olvidar-se, contudo, do necessário equilíbrio que deve haver entre o interesse público e o interesse privado. Mas, se o núcleo duro de um direito fundamental individual estiver em jogo e esse direito for tutelado pela lei, o juiz não pode afastá-lo para agasalhar um suposto interesse público´ Assim sendo, tenha o teor do grupo fechado de Facebook e do e-mail privado Hotmail sido obtido por meio de um hacker, ou por meio de agente infiltrado da Inteligência da Corporação, ou ainda considerando como verdadeira a afirmação do Impetrado de que foram deixados anonimamente em envelope lacrado na porta do gabinete do Comandante do GSE/CBMERJ, em quaisquer dessas hipóteses a prova foi obtida de forma ilícita, eis que flagrantemente obtida por meio de violação direta a direito fundamental previsto no art. 5º, inciso XII, da CRFB/88. Não importa o grau de dificuldade ou de tecnologia utilizado na obtenção das conversações em tela - tratava-se de diálogos privados e que jamais poderiam ser utilizados para instauração de sindicância e posterior aplicação de punições administrativas aos militares, ainda que seja verdadeira a afirmação de que o e-mail foi encaminhado para agente lotado na Corregedoria Interna da Corporação ou para Oficiala do próprio GSE/CBMERJ. As conversações ocorreram em grupo fechado de Facebook, ao qual somente têm acesso aquelas pessoas autorizadas pelo responsável pelo mesmo, e em e-mail, o qual possui caráter privado, independente do número de destinatários. Cabe salientar ainda que afirma o Ilmo. Corregedor Interno que ´As sanções administrativas disciplinares foram aplicadas em decorrência dos depoimentos coligidos aos autos do procedimento apuratório, uma vez que as informações remetidas pelo Comandante do GSE/CBMERJ [...] não apresentavam, a priori, densidade probatória apta a fundar qualquer processo administrativo disciplinar´. Ora, a colheita de depoimentos realizada ao longo da Sindicância, apesar de lícita em sua própria essência, decorreu exclusivamente da prova ilícita obtida anteriormente, eis que os nomes dos militares sindicados constavam no grupo fechado de Facebook e no e-mail privado acessados de forma ilícita, restando, portanto, contaminados por tal ilicitude. Dá-se aqui a aplicação do que a doutrina denomina de teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), posto que, da análise dos autos da Sindicância, não se encontra qualquer fonte probatória independente, tudo decorrendo exclusivamente da prova ilícita já mencionada. Destarte, como eventual autorização judicial - se fosse o caso de decretá-la - para a quebra do sigilo de correspondência deveria ser prévia, bem como não há qualquer indício de que as provas utilizadas na punição dos militares seriam inevitavelmente obtidas por meios legais (teoria da descoberta inevitável), resta flagrante a ilicitude de toda a prova produzida na instrução da Sindicância, não havendo incidência de qualquer exceção à teoria da prova ilícita por derivação a elidir a pecha de nulidade que macula todo aquele procedimento administrativo. Outro direito fundamental desrespeitado pela autoridade nomeada coatora foi a inviolabilidade à intimidade e à vida privada (CRFB/88, art. 5º, inciso X), ao qual a Carta Magna não prevê restrições, não havendo qualquer dúvida de que também são sujeitos destes direitos os militares. Tais direitos devem ser harmonizados com os princípios da hierarquia e disciplina, de forma a um não excluir o outro. É claro que, como servidores militares, sua liberdade é mais restrita que o cidadão comum, devendo participar ao Comando diversas atividades de sua vida particular, guardar reputação ilibada em sua vida pública e privada etc. Ocorre que, mesmo assim, a Constituição da República garante aos mesmos um grau de intimidade necessário ao exercício de sua vida privada. Apesar da afirmação do Ilmo. Corregedor Interno de que, ´ao contrário do cidadão comum, a carreira militar requer certo despojamento de liberdade´, tal despojamento tem limites, posto que os Oficiais Superiores da Corporação não são senhores da vida privada de seus Subordinados. Quanto ao fato de o Paciente não ter se utilizado do recurso administrativo denominado ´reconsideração de ato´, nada há a considerar, até mesmo porque o esgotamento dos recursos administrativos não é condição para a impetração do habeas corpus, sob pena de violação ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (CRFB/88, art. 5º, XXXV), sendo certo ainda que fica ao critério do administrado utilizar-se do recurso ou não, pois possui natureza voluntária. Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, CONCEDENDO A ORDEM DE HABEAS CORPUS PRETENDIDA E DECLARANDO A NULIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Nº CI/JD/300/2012 E DE TODOS OS SEUS EFEITOS, ESPECIALMENTE AS PUNIÇÕES DISCIPLINARES INFLIGIDAS A FRANKLIN ROSA MIRANDA DA SILVA, LUIZ CARLOS THIENGO SANTANA, JOÃO GUILHERME DE FREITAS, VIVIANE FERREIRA CARVALHO, BRUNO BATISTA COUTINHO DA SILVA, PRISCILA FERREIRA RUFINO, PRISCILA PAULA GOMES, TIAGO GERALDO DE QUEIROZ, VANDERSON DA CONCEIÇÃO MARCONDES, RENATA TORRES TRAJANO LEITE, ROBSON DE AGUIAR DA SILVA, GUSTAVO SOARES DO CARMO, RODRIGO DA COSTA CUNHA, ANDERSON LAUDELINO CARDOSO, ANDERSON SANTANA DE SOUZA, DANIEL NATA GOMES DE LIMA, MARCOS NUNES DE OLIVEIRA, RENATA NOBERTO ARAÚJO, DANIELA BRANCO CABRAL DA PONTE e MÉRCIA JESUS DA SILVA, AS QUAIS DEVEM SER EXCLUÍDAS DE SUAS FICHAS DISCIPLINARES, DECRETANDO AINDA O TRANCAMENTO DO REFERIDO PROCEDIMENTO, o que faço na forma do disposto no artigo 478 do Código de Processo Penal Militar. Transitada em julgado, providenciem-se as comunicações e anotações de praxe, dando-se, após, baixa na distribuição e remetendo-se ao arquivo, desapensando-se, antes, os autos do procedimento administrativo, o qual deverá ser entregue à Autoridade nomeada coatora para as providências ora determinadas. De acordo com o artigo 30, inciso XIII, da Lei nº 8.457/92 (LOJMU), comunique-se ao Comando Geral do CBMERJ e à Autoridade nomeada coatora, inclusive no que tange à publicação da presente decisão em boletim ostensivo, para fins de conhecimento dos Pacientes. Sem custas, na forma do artigo 5º, inciso LXXVII, da Carta Magna, e do artigo 712 da Lei Processual Penal Castrense. P. R. I. C.

4 comentários:

  1. O mal não pode prevalecer, e muito menos as injustiças.
    Abraços; Valdelei Duarte.

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  2. VEJAM ISSO, SE A JUSTIÇA ACHOU A INVASÃO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO DE MILITARES, QUE TEM REGRAS PRÓPRIAS, E RIGOROSA DISCIPLINA E HIERARQUIA, IMAGINEM QUANDO ESSA HISTÓRIA CAIR NA JUSTIÇA COMUM SOBRE OS GUARDAS QUE TIVERAM O FACEBOOK INVADIDO PELA CORREGEDORIA DA GM RIO!!!

    que venham os processos de dano moral, e já que a denuncia é anonima, vai tudo na conta do corregedor

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  3. Oficiais acham q sao deuses e corregedores tem certeza.Certos da impunidade, por isso q esta desta forma o CBMERJ, eles fazem o q kerem...

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  4. Vamos Pegar os Corruptos das engenharias do CBMERJ.

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