quinta-feira, 7 de novembro de 2013

FIM DA JORNADA MÓVEL OU VARIÁVEL

A C Ó R D Ã O
(8ª Turma)
GMDMC/Eas/Ss/dr/mm
RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL. INVALIDADE. Entende-se pela invalidade de cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, pois, embora não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender,em qualquer horário do dia, pagando o mínimo possível para auferir maiores lucros (grifos nossos – embora não exista vedação (!!!!!!!))). Esta prática, contratação na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, em que pese esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas semanais, na medida de suas necessidades, é ilegal, porquanto a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movimento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas despesas. Entender o contrário implicaria desconsiderar as disposições contidas nos artigos 4º, caput, e 9º da CLT, que disciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-9891900-16.2005.5.09.0004, em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO e Recorrida ARCOS DOURADOS COMÉRCIO DE ALIMENTOS LTDA.]
 
O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, mediante o acórdão de fls. 551/565, negou provimento ao recurso ordinário do Parquet por entender que a jornada móvel e variável, na forma como adotada pela reclamada, é válida. Negou provimento ao recurso adesivo empresarial, nas prejudiciais de litispendência, suspensão do processo e ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público do Trabalho da 9ª Região em ajuizar Ação Civil Pública.
Inconformado, o Ministério Público do Trabalho da 9a Região interpõe recurso de revista às fls. 572/579, pretendendo a declaração de inviabilidade da prática de jornada móvel e variável na forma exercida pelos empregados da requerida, aponta violação dos artigos 4º, caput, 9º, 58 e 59 da CLT e 7º, XIII, da CF e traz para configuração de divergência jurisprudencial.
 
 
1. JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL. INVALIDADE.
Recorre de revista o Ministério Público do Trabalho da 9a Região para que seja declarada a inviabilidade da prática de jornada móvel e variável exercida pelos empregados do recorrido. Afirma que, sendo a jornada fixada diariamente, deixando o trabalhador sujeito ao arbítrio do empregador, sem poder programar a sua vida profissional, familiar e social, porque este não tem certeza do seu horário de trabalho e da remuneração mensal, bem como por transferir o risco da atividade econômica aos trabalhadores, esta modalidade é ilegal.
 
Diz ainda que, por intermédio desse sistema, os empregados ficam à disposição do reclamado por 44 horas durante a semana e, no entanto, somente recebem pelas horas trabalhadas, eis que a disponibilidade fica a critério do empregador, por ato imperativo da vontade deste.
 
Sustenta que as disposições legais relativas à duração do trabalho são de ordem pública e, por isso, não podem ser violadas por acerto entre empregado e empregador, nem por intermédio de norma coletiva.
Aponta violação aos artigos 7o, XIII, da CF, 4o, 9o, 58 e 59 da CLT e apresenta arestos para configuração de divergência jurisprudencial.
 
MÉRITO
A discussão na presente Ação Civil Pública cinge-se ao exame da licitude de cláusula de contratos individuais de trabalho, realizados entre os empregados da reclamada e suas franqueadas, que estabelecem jornada de trabalho semanal móvel e variável não superior ao limite de 44 horas e inferior ao mínimo de 8 horas, com o pagamento apenas das horas efetivamente trabalhadas.
Consoante o acórdão regional, consta da cláusula 2ª do contrato de trabalho:
-A duração normal semanal do trabalho do (a) CONTRATADO (A) será móvel e variável, mas não terá duração superior ao limite de 44 (quarenta c quatro) horas, nem inferior ao mínimo de 8 (oito) horas, devendo ser ajustada de comum acordo entre as partes, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência do início de cada semana, observados sempre os limites mínimos legais de 11 (onze) horas consecutivas de descanso entre uma jornada e outra de trabalho e o descanso de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas por semana de trabalho, tudo em consonância com a disponibilidade do (a) CONTRATADO (A), visando principalmente adequar seu horário de trabalho a outras atividades, como lazer, estudos ou mesmo outra atividade profissional.-
 
Com efeito, de acordo com o acórdão do Tribunal a quo, verifica-se que ficou claro que os empregados sujeitos à jornada móvel e variável são horistas e recebem a remuneração de acordo com as horas trabalhadas. Essa jornada pode ser de oito horas diárias, bem como de apenas duas horas diárias. Vê-se que a escala era definida unilateralmente pelo empregador e afixada no estabelecimento com a antecedência mínima necessária para os trabalhadores tomarem conhecimento, ou seja, de dez dias. Ficou claro, também, que o salário-hora não foi reduzido pelo réu e que os trabalhadores sempre tiveram a garantia de receber a remuneração correspondente à jornada mínima, mas era evidente o desconhecimento do montante a ser recebido, acrescido do fato de que este era em valor menor, diante da redução do horário laborado no período.
 
Contudo, data vênia do posicionamento do Regional, entende-se que, nesse caso, ainda que não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender,em qualquer horário do dia, pagando o mínimo possível para auferir maiores lucros.
 
Pergunta-se quais vantagens o trabalhador poderá auferir quando estiver na escala reduzida, exceto o fato de ele estar sem trabalhar e receber salário menor, pois, para desenvolver outra atividade remunerada ou para participar de cursos, atividades extracurriculares e outras afins, seria necessário programação antecipada, hipótese esta impossível, porquanto a disponibilidade semanal do empregado fica a critério do empregador, por ato imperativo da vontade deste.
Portanto, a contratação efetivada pela reclamada na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, embora esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas na semana, na medida de suas necessidades e diante do fato de que a fixação desta jornada fica, exclusivamente, a seu arbítrio, permite o entendimento de que existe a transferência do risco do empreendimento ao trabalhador.
 
Se não bastasse, observa-se que a possibilidade de variação brusca de horários, inclusive com alternância de turnos diurnos para noturnos, o que também representa prejuízo incomensurável à rotina do trabalhador, e que faz descumprir a função social do contrato de trabalho firmado, não havendo sequer respeito à jornada estabelecida na escala, impossibilita ao empregado qualquer programação do seu tempo fora do trabalho.
 
Por outro lado, também, existem consequências negativas relacionadas à variação salarial percebida pelo obreiro, na medida em este não tem controle dos próprios ganhos e não pode planejar o seu orçamento.
 
Ora, de que valem as disposições contidas nos artigos 4º, caput, e 9º da CLT, que disciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT, se permitimos a continuidade da prática de contratação na forma proposta pela reclamada, da qual decorrem apenas benefícios para a contratante, em detrimento do trabalhador que labora em período incerto e percebe remuneração também incerta.
Assim, entende-se de que a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, pois estes são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movimento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas despesas.
 
Mesmo que assim não fosse, é salutar para ambas as partes que a jornada de trabalho prevista em contrato seja certa e determinada, porquanto o contrário implica admitir-se variação para atender apenas às necessidades da empresa, representando afronta ao princípio de proteção do trabalhador e incidindo em nulidade, consoante as disposições contidas no art. 9º da CLT.
 
Cumpre consignar ainda que as disposições legais relativas à duração do trabalho são de ordem pública, de caráter impositivo, não podendo ser violados por acordo entre empregado e empregador nem mesmo por convenção ou acordo coletivo de trabalho, sob pena de nulidade do pacto individual ou coletivo, nos termos do que previsto nos arts. 9º e 444 da CLT.
 
Dessa forma, entende-se não ser válida a cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador.
Jurisprudência desta Corte Superior nesse mesmo sentido:
 
-AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. PRELIMINAR DE NULIDADE. NEGATIVA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Não merece reparos o despacho agravado. A Corte Regional constatou que houve prestação jurisdicional de forma adequadamente fundamentada, embora contrária à tese da Reclamada. Agravo de Instrumento não provido. COMPENSAÇÃO DE VALORES PAGOS. Não merece reparos o despacho denegatório, à medida que a decisão regional encontra-se em consonância com a Súmula 48 do TST. Agravo de Instrumento não provido. MULTA DO ART. 538 DO CPC. Correto o despacho agravado. A Turma Regional aplicou a pena cominada no art. 538 do CPC em face da constatação do animus protelatório da parte. Agravo de Instrumento não provido. RECURSO DE REVISTA
 
DA RECLAMANTE. JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL. ILEGALIDADE. HORAS ALÉM DA 4ª DIÁRIA ATÉ O LIMITE DE 8 HORAS DIÁRIAS. Não há dúvida de que o artigo 444 da CLT autoriza que as partes pactuem livremente as condições do contrato de trabalho. No caso concreto, porém, a cláusula que estipulou jornada -móvel e variável-, mediante o pagamento por hora trabalhada, representa afronta ao princípio de proteção do trabalhador, incidindo em nulidade, conforme previsão do artigo 9º da CLT. Recurso de Revista conhecido e provido.- (AIRR e RR – 305600-34.2001.5.12.0001 , Relator Ministro: José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, data de julgamento: 11/11/2009, 2ª Turma, data de publicação: 18/12/2009)
 
-RECURSO DE REVISTA. 1. DESERÇÃO DO RECURSO ORDINÁRIO. INEXISTÊNCIA. Efetuados e comprovados o recolhimento do depósito recursal e o pagamento das custas dentro do prazo para a interposição do recurso, não há que se falar em deserção. 2. HORAS EXTRAS. JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL. DIFERENÇAS SALARIAIS. A jornada de trabalho a ser cumprida pelo empregado deve ser certa e determinada. As partes não estão e não podem estar, livres de quaisquer limites, atreladas, apenas, à vontade daqueles que contratam. A natureza jurídica das normas que regulam a jornada de trabalho não decorre de mero capricho legislativo, mas guarda pertinência com o legítimo resguardo da dignidade do trabalhador (Constituição Federal, art. 1º, incisos III e IV; art. 4º, inciso II). São normas imperativas e de ordem pública. Recurso de revista conhecido e provido.- ( RR – 111600-70.2000.5.02.0446 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, data de julgamento: 13/5/2009, 3ª Turma, data de publicação: 5/6/2009)
 
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de revista do Ministério Público do Trabalho da 9ª Região para acolher a Ação Civil Pública interposta e julgá-la procedente para determinar à reclamada que se abstenha de contratar e substitua a ‘jornada móvel variável’ por jornada fixa, em todas as suas lojas, obedecendo-se as previsões constitucionais e infraconstitucionais, inclusive quanto a possível trabalho extraordinário, garantindo, pelo menos, o pagamento do salário mínimo da categoria profissional, de acordo com a Convenção Coletiva do Trabalho, independentemente do número de horas trabalhadas.
Na hipótese de descumprimento das determinações judiciais ora estipuladas, multa ao requerido de R$ 100,00 (cem reais) por trabalhador contratado sob a modalidade -jornada móvel e variável-.
Invertido o ônus da sucumbência. Custas de R$ 400,00 sobre o valor da causa fixado em R$ 20.000,00.
 
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista por divergência jurisprudencial e, no mérito, por maioria, vencida a Exma. Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, que negava provimento ao recurso, dar-lhe provimento para acolher a Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público do Trabalho da 9ª Região e julgá-laprocedente para determinar à reclamada que se abstenha de contratar e substitua a ‘jornada móvel variável’ por jornada fixa, em todas as suas lojas, obedecendo-se as previsões constitucionais e infraconstitucionais, inclusive quanto a possível trabalho extraordinário, garantindo, pelo menos, o pagamento do salário mínimo da categoria profissional, de acordo com a Convenção Coletiva do Trabalho, independentemente do número de horas trabalhadas. Na hipótese de descumprimento das determinações judiciais ora estipuladas, multa ao requerido de R$ 100,00 (cem reais) por trabalhador contratado sob a modalidade -jornada móvel e variável-. Invertido o ônus da sucumbência. Custas de R$ 400,00 sobre o valor da causa fixado em R$ 20.000,00
Brasília, 23 de fevereiro de 2011.
Dora Maria da Costa
Ministra Relatora

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