quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

A NULIDADE DO BANCO DE HORAS

A alteração da súmula nº 85 do TST e a forma de remuneração das horas extraordinárias em decorrência da declaração de nulidade do banco de horas.

Fernanda D´Avila de Oliveira – OAB/SC 31.291

1. INTRODUÇÃO
A jornada de trabalho possui fundamentos econômicos, políticos e sociais, uma vez que influencia tanto o nível de produção da empresa, seus custos e procedimentos, como também atinge a saúde e o relacionamento social dos trabalhadores.

Uma das ferramentas utilizadas na administração da jornada de trabalho é a modalidade de compensação de horas denominada banco de horas.
Para Alice Monteiro de Barros (2008, p. 670), esse sistema permite que:
(…) por acordo ou convenção coletiva, a compensação do excesso de horas trabalhadas em um dia pela correspondente diminuição em outro dia, de modo que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho, tampouco ultrapasse o limite de 10 horas por dia.

O banco de horas, contudo, possui certos requisitos de validade previstos na legislação brasileira concernentes a sua forma, ao período máximo de compensação e ao limite de horas extras, além de possuir outras formalidades em determinadas condições especiais de trabalho.
 
2. COMPENSAÇÃO DE JORNADAS

Segundo Vólia Bonfim Cassar (2007), compensação de jornada seria um gênero, enquanto suas espécies seriam a compensação tradicional e o banco de horas. Para a autora, a compensação tradicional de jornada seria aquela em que o tempo máximo de labor semanal não é desrespeitado, ou seja, não ultrapassa 44 horas semanais e também 220 horas mensais. (...) A autora também cita como exemplo a jornada utilizada por vigilantes que trabalham em turnos de 12 por 36 de descanso, respeitando-se, da mesma forma, o limite de 220 horas semanais.
 
A compensação também possui como característica o conhecimento prévio dos trabalhadores acerca do horário de trabalho e do dia de folga.
 
Já o banco de horas, contudo, admite compensações anuais, através de um sistema de crédito e débitos de horas, em que, ao invés do empregado receber em dinheiro seus créditos de horários, acumula-os para compensar em uma data posterior, que não pode ultrapassar o período de um ano. O banco de horas pode ser tento fixo, em que o ajuste estabelece previamente a jornada e a sobrejornada, bem como pode ser variável de acordo com a demanda.
 
O advogado Alexandre Orsi Guimarães Pio (2008) alega que a diferença entre a compensação de horas extras e o banco de horas reside no prazo concedido para compensação, uma vez que o Tribunal Superior do Trabalho possui entendimento de que a compensação de jornada deve ser realizada em um prazo mais imediato quando comparado ao banco de horas.

 A jurisprudência catarinense também diferencia essas duas modalidades de compensação:
BANCO DE HORAS. REGIME DE COMPENSAÇÃO. DIFERENCIAÇÃO. Não se confundem ambos os institutos. O banco de horas, por sua excepcionalidade e por refletir em maiores riscos à saúde e segurança do trabalhador, deve estar amparado em norma coletiva, enquanto que o regime de compensação, em tese propicia vantagens ao trabalhador por racionalizar seu tempo e, por isso, se opera por simples acordo bilateral. A situação dos autos revela a hipótese de compensação de horas na medida em que havia o elastecimento da jornada e a respectiva paga, sem qualquer indicativo da instituição de banco de horas.
(Processo nº: 01531-2007-039-12-00-8. Juíza Sandra Márcia Wambier. Publicado no TRTSC/DOE em 17-06-2008)
Súmula nº 85, II. do TST: “O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário”.
 
HORAS EXTRAS. ACORDO INDIVIDUAL DE COMPENSAÇÃO. INEFICÁCIA. A despeito da possibilidade ou não de o acordo individual de compensação de jornada irradiar válidos efeitos, não caberá tê-lo por elemento a influenciar na questão das horas extras, quando não observado no sentido de suprimir o trabalho nos sábados.
(Processo nº: 00477-2007-049-12-00-0. Juíza Lourdes Dreyer. Publicado no TRTSC/DOE em 07-10-2008).
 
 
O BANCO DE HORAS
O sistema denominado banco de horas, nos moldes em que hoje é conhecido, foi instituído a partir da Lei n. 9.601/98, sofrendo alterações posteriores através da Medida Provisória nº 2.164-41/01, a qual alterou o período de compensação de 120 dias para um ano. Esta Lei alterou o § 2º do artigo 59 da CLT o qual agora estabelece que:
§ 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias
José Affonso Dallegrave Neto (1999, p. 99) define banco de horas da seguinte forma:
a sistemática adotada pelo empregador para compensar todas as prorrogações de horas de trabalho do empregado com as respectivas reduções. O controle deve ser feito individualmente por intermédio de uma ficha onde se consignará periodicamente o quantum extrapolado ou mitigado em relação ao limite semanal de 44 horas. Ao final de um ano, o empregador terá que, necessariamente, por cobro à compensação.
Assim, embora as horas excedentes laboradas além da duração normal da jornada de trabalho sejam também consideradas horas extras, dispensa-se o pagamento dessas horas em decorrência da compensação.
 
Considera-se que o descanso posterior supre a nocividade do labor extraordinário, como bem assevera José Augusto Rodrigues Pinto (1998, p. 29) ao alegar que “a norma convencional coletiva alicerçou-se na presunção de não haver dano físico a reparar, em virtude da reposição orgânica proveniente do encurtamento subseqüente e correlativo da jornada”. Para o autor, essa presunção não constitui uma verdade absoluta, uma vez que a reposição orgânica torna-se menor quanto maior for o período concedido para a compensação das horas extras laboradas.
 
Para alguns autores, o banco de horas é inconstitucional, já que suprime ou mitiga os direitos sociais previstos na Constituição. A Lei Maior fixa como direitos: “a duração do trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (art. 7°, XIII).

Nessa esteira, a autora Valdete Souto Severo (2006) defende que o banco de horas suprime o direito constitucional ao pagamento do adicional de horas extraordinárias, bem como equipara a hora normal à hora extraordinária, contrariando os dispositivos constitucionais supracitados. As normas infraconstitucionais, como a que estabelece o banco de horas, não poderiam negar a aplicação de princípios estabelecidos na Constituição, uma vez que esta firma um pacto social e vincula tanto formal como materialmente as demais normas infraconstitucionais.
 
A autora cita também a opinião de Rafael Marques, segundo o qual a Constituição somente abrangeria o sistema de compensação contida na CLT antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988. Este sistema previa somente a compensação semanal, e somente a este estaria se referindo a Constituição vigente, já que era o único existente à época. A Constituição não poderia admitir um regime compensatório ainda inexistente à data de sua promulgação, sendo, portanto, inconstitucional a compensação anual estabelecida posteriormente pelo legislativo.
 
Já Jorge Luiz Souto Maior (apud Severo 2006), ao analisar a sistemática do banco de horas, defende que as folgas deveriam ser concedidas antes do labor extraordinário.
 
O banco de horas também seria contrário ao disposto no art. 459 da CLT, o qual reza que o salário deve ser pago até o quinto dia útil do mês subseqüente, admitindo-se, que as horas extras integram o salário lato sensu. Nesse sentido, o banco de horas fere tal norma, já que admite a compensação em um período de até um ano.
 
No âmbito formal, seria também inconstitucional a alteração provocada no art. 59 da CLT através da Lei nº 9.601/98 por ter sido esta editada mediante Medida Provisória, sem, contudo, revelar a urgência exigida constitucionalmente para a edição destas.
 
 
Vólia Bonfim Cassar (2007) entende ser um abuso de direito, nos moldes do art. 187 do Código Civil, o banco de horas anual variável, por não ser este benéfico o trabalhador, negligenciando os valores sociais do trabalho humano, instituídos no art. 1º, IV da Constituição O sistema de compensação anual também mitigaria o princípio da função social do direito. Nesse sentido, seria inconstitucional, nos dizeres da autora, o acordo de compensação quando causar prejuízo ao empregado ou quando não lhe proporcionar benefícios .
 
Apesar de alguns autores considerarem inconstitucional o instituto do banco de horas, a jurisprudência em sua grande maioria admite a adoção deste sistema pela empresa. Seus requisitos de validade, contudo, devem ser respeitados, pois caso contrário este sistema poderá ser invalidado perante a Justiça do Trabalho.
 
INVALIDADE DO BANCO DE HORAS
 
Maurício Godinho Delgado (2008, p. 870) possui entendimento no seguinte sentido:
A ultrapassagem de tais blocos temporais máximos (de 120 dias, até 7.8.98; de um ano em seguida à MP n. 1.790/98) ou a não correspondente redução da jornada dentro do respectivo bloco temporal (mesmo que em virtude da extinção do contrato); ou, até mesmo, a ausência de instrumento coletivo pactuador desse sistema compensatório desfavorável, qualquer dessas situações de desrespeito à regularidade da figura jurídica conduzirá à automática sobre-remuneração das horas diárias em excesso, como se fossem efetivas horas extras.
Além disso, afirma que: “qualquer frustração aos requisitos e funcionamento regulares do banco de horas produzirá o pagamento da jornada em excesso como horas extras (isto é, o principal mais adicional)” (DELGADO, 2008, p. 870)
 
Logo, segundo o autor, o não cumprimento dos requisitos necessários para a adoção de um sistema de banco de horas dá ensejo ao pagamento das horas extras laboradas em excesso. Assim, o autor mesmo antes da inserção do item V na Súmula nº 85 do TST entendia que a atenuante estabelecida no item III da Súmula nº 85 do TST, seria aplicável tão somente ao caso da compensação na sua modalidade semanal ou mensal.
 
Em relação a essa prestação de horas extras habituais, muitos Juízes vinham decidindo em consonância com o disposto na Súmula n. 85 do TST, itens III e IV, que abordam o pagamento de horas na compensação de jornada da seguinte forma:
III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 – segunda parte – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003) 
IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ nº 220 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)
No entanto, com a inserção do item V à Súmula nº 85 do TST, restou enfraquecido o entendimento de que, em caso de invalidade do banco de horas, seriam aplicáveis as disposições acima transcritas. É que o item V da Súmula nº 85 do TST prevê expressamente que a referida Súmula não se aplica à modalidade de compensação denominada banco de horas.
 
Apesar de o TST não ter estipulado qual seria a forma de pagamento das horas extras em caso de invalidade desse sistema, sejam as horas destinadas à compensação ou não, o entendimento atual vem se consolidando no sentido de que, em caso de invalidação do banco de horas, é devido o pagamento das horas que extrapolem o limite de 8 horas diárias e 44 semanais como horas extras.
 
O Tribunal Regional da 12º Região, o qual abrange o Estado de Santa Catarina, vem adotando o procedimento acima esposado, decidindo que, caso declarada a nulidade do banco de horas, deve haver a condenação ao pagamento das horas excedentes da 8ª diária e da 44ª semanal (de forma não cumulativa) como extras, com os adicionais previstos nas normas coletivas (RO 08146-2009-036-12-00-4. Acórdão-5ªC. Juíza Relatora: Maria De Lourdes Leiria. Publicado no TRTSC/DOE em 25-07-2011).
 
E, com a inserção do item V na Súmula nº 85 do TST posicionamento parece pacificado neste Tribunal Superior.
(…) HORAS EXTRAORDINÁRIAS. BANCO DE HORAS. PRORROGAÇÃO HABITUAL DA JORNADA DE TRABALHO. SÚMULA Nº 85 DO TST. O regime de banco de horas previsto no artigo 59, § 2º, da CLT, é incompatível com a aplicação da Súmula nº 85 do c. TST. Do mesmo modo, a invalidade do acordo de compensação, em decorrência da prorrogação habitual da jornada de trabalho, não enseja o pagamento apenas do adicional de horas extraordinárias, quando constatado pelo julgado regional a inexistência de efetiva compensação. Precedentes. Recurso de revista não conhecido.
(RR – 2937900-76.2008.5.09.0009 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 29/02/2012, 6ª Turma, Data de Publicação: 09/03/2012)
Portanto, inobstante a ausência de disposição expressa acerca da forma de pagamento das horas extras quando declarada a nulidade do sistema de compensação na modalidade de banco de horas, deve-se considerar que uma possível condenação abrangerá o pagamento das horas que extrapolem a jornada, como extraordinárias.
 
Nota-se que o posicionamento do TST consubstanciado após a inserção do item V à Súmula nº 85 do TST, não é, de toda sorte, inesperado, uma vez que aquela corte já entendia que esse sistema deveria ser pactuado mediante negociação coletiva e que, em caso de invalidação do sistema, as horas que extrapolassem a jornada legal ou contratual fossem pagas como horas extraordinárias.
 
Muitos gestores não levam em consideração que as formas de administração do sistema de banco de horas influenciam a prevenção de extrapolamentos habituais do limite de horas previsto na legislação. Entendimento este que não merece prevalecer caso a empresa pretenda que seja reconhecida a validade desse sistema de compensação, evitando o pagamento de horas extraordinárias, principalmente após a consolidação do posicionamento jurisprudencial de que as empresas não serão mais beneficiadas com a previsão da Súmula nº 85 do TST neste tocante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário