terça-feira, 9 de abril de 2013

UMA (RE)LEITURA DO PODER CORRECIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

fonte: http://ieacd.com/revista/UMA%20%28RE%29LEITURA%20DO%20PODER%20CORRECIONAL%20NO%20ESTADO%20DEMOCR%C3%81TICO%20DE%20DIREITO%20PREVEN%C3%87%C3%83O%20VERSUS%20REPRESS%C3%83O.pdf

A ordem constitucional inaugurada pela Constituição Federal de 1988 deu  nova configuração ao Estado brasileiro, incluindo como um de seus pilares fundamentais a democracia participativa. Com a nova ordem, todas as instituições devem empenhar-se em realizar seu conteúdo democrático precípuo, ou seja, efetuar a passagem de um modelo burocrático ineficiente e não comunicativo para um modelo aberto à participação da sociedade civil e ao diálogo em sua estrutura institucional. Ou seja, se a abertura para fora da Administração implica a ideia de controle social, a abertura para
dentro da Administração implica a ideia de governança participativa e mitigação das relações de subordinação, isto é, relações hierárquicas. Nessa perspectiva, todos são convidados a instituírem-se como sujeitos na consecução dos fins constitucionais.

Vê-se, nesse sentido, que o Sistema de Correição do Poder Executivo Federal encontra-se ainda estruturado nos moldes de um sistema repressivo, com suas ações voltadas para o exercício primordial do jus puniendi.

O PODER CORRECIONAL A PARTIR DA TRANSIÇÃO DO ESTADO SOCIAL PARA O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A partir da transição do Estado Social para o Estado Democrático de Direito, diversos conceitos da Administração careceram de reinterpretação, devido a nova concepção suscitada por esse novo paradigma. O presente capítulo busca apresentar a visão tradicional da Administração pública com relação aos poderes correcional e disciplinar, para então buscar uma adequada interpretação à luz dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
O Estado Social trouxe consigo um viés autoritário e foi justamente nesse contexto que o Direito Administrativo(BANDEIRA DE MELO, 2007, p. 43) se consolidou como disciplina autônoma. Parte desse autoritarismo refletiu nas instituições criadas por esse ramo do Direito, e a Administração pública, bem como seus poderes, não ficou imune a essa influência. No Brasil, a Administração pública foi alicerçada, em grande parte, em um paradigma jurídico-administrativo “burocrático”, “autoritário” e tradicionalmente apartado dos valores e princípios constitucionais. (BANDEIRA DE MELO, 2007, p. 43).
O Direito Administrativo Disciplinar, especificamente, considerado como o Direito Administrativo Punitivo Interno, por Ada Pelegrini Grinover (GRINOVER, 1991, p. 9-18), carrega em sua essência elevado teor autoritário. Nesse sentido, nota-se a consolidação do caráter repressivo como finalidade precípua do Direito Disciplinar, servindo-se, o Estado, da punição, como forma de buscar a disciplina no âmbito da própria administração.
O Estado Democrático de Direito tem como pressupostos a democracia, a participação ativa e a cidadania, compreendidas de uma nova forma. A partir desse novo modelo, busca-se dar significação e efetividade aos valores da liberdade e da igualdade, tendo como seu eixo axiológico a pessoa humana (SCORSIM., 2007, p. 129). Nessa perspectiva, a sociedade assume um papel relevante na produção e consecução do direito; a atividade do cidadão exige uma participação ativa da coletividade na atividade política e no processo jurídico decisional. (THEODORO FILHO, 2005, p. 235).
A Constituição de 1988 lançou bases para a consecução do Estado
Democrático de Direito. É o que se depreende da intelecção de seu preâmbulo e dos seus próprios fundamentos. Nesse contexto, a Carta Magna institucionalizou princípios pautados em conceitos como participação e controle social, refletindo os anseios desse novo Estado idealizado. Novos elementos trazidos pela Constituição abriram caminhos para a gestão pública democrática e participativa no Brasil.
O novo enfoque do paradigma do Estado Democrático de Direito, em contraste ao Estado Social, reflete-se substancialmente no Direito Administrativo (BACELLAR FILHO, 2007, p. 13-29). Nessa perspectiva, visualiza-se a crise teórica desse ramo do
Direito, que insurge nos primeiros anos do século XXI, exigindo-se, por muitos doutrinadores, sua constitucionalização (BINEMBOJM, 2008, p. 24). Para Gustavo Binembojm (BINEMBOJM, 2008, p. 142-143), a superação do paradigma da legalidade
administrativa só pode ocorrer com a substituição da lei pela Constituição, como cerne da vinculação administrativa à juridicidade. Como lembra Canotilho, no Estado Constitucional, “a reserva vertical da lei foi substituída por uma reserva vertical da Constituição”. (CANOTILHO, 1997, p. 836).
O Estado Democrático de Direito demanda uma gestão pública democrática e eficiente, comprometida com a concretização dos direitos fundamentais postos na Constituição. (PESSOA, 2006, p.
48).
Dessa forma, necessita-se vencer as mazelas do Estado Social, livrando-se da longa e trágica experiência autoritária, de cujos efeitos ainda hoje nos ressentimos, e superar os entraves da administração burocrática ineficiente, em cujo contexto de autoritarismo se consolidou o caráter repressivo.
A visão tradicional do Poder Disciplinar na Administração Pública brasileira Tradicionalmente, os manuais de Direito Administrativo referem-se ao Poder Disciplinar como um poder que visa à punição de condutas qualificadas em estatutos ou leis administrativas como infrações ou ilícitos disciplinares; com a finalidade de
preservar, de modo imediato, a ordem interna do serviço.(MEDAUAR, 2008, p. 117).
Na obra de Carlos Schmidt de Barros Júnior, publicada em 1972, intitulada Do Poder Disciplinar na Administração Pública”, há referência à teoria da identidade substancial. Tal teoria aduzia não haver diferença essencial entre o Poder Disciplinar e o Direito Penal (BARROS JÚNIOR, 1972, p. 11). Naquela época, considerava-se o Direito Disciplinar um direito penal especial ou particular de certas instituições. Dada a unidade ontológica do ilícito, a falta administrativa seria um minus em relação ao delito criminal. Como destacado por renomado penalista de outrora, ambos seriam “species
do mesmo genus”. (HUNGRIA, 1991, p. 17).
Após ser submetida a uma severa crítica pelos estudiosos do Direito
Administrativo (BARROS JÚNIOR, 1972, p. 10-52), essa construção acabou por ser abandonada, sendo substituída por sucessivas formulações doutrinárias. Ao fim, concebe-se hoje a função disciplinar (BANDEIRA DE MELLO, 1998, p. 13-16) na esfera administrativa como uma relação punitiva especial, a regular a conduta de pessoas determinadas, sujeitas a relações de supremacia não territorialmente limitadas
(BARROS JÚNIOR, 1972, p. 65). Nesse sentido, conforme disciplina Odete Medauar, o Poder Disciplinar encontra mais correlação com a função hierárquica existente no plano administrativo do que com o aludido Direito Penal.(MEDAUAR, 2008, p. 116).
Apesar do avanço alcançado desde a primitiva formulação da teoria da
identidade substancial, vê-se que a forma de pensar o Direito Disciplinar, com parâmetros interpretativos da metade do século passado, ainda está presente na doutrina brasileira. A ênfase de alguns doutrinadores, quanto à responsabilização administrativa,
volta-se para a manutenção da Administração pública e não para o enfrentamento da questão da fraude e da corrupção, por exemplo. Note-se que o Congresso Nacional, na elaboração da Lei nº 8.112/90, denominada “Estatuto dos servidores públicos federais”, não parece ter zelado bem pelo desenvolvimento e avanço em relação à apuração administrativa disciplinar. Em essência, adotou-se o mesmo modelo previsto na Lei nº
1.711, de 28 de outubro de 1952. (GANZENMÜLLER, 2007, p. 27).

Para o Promotor-Corregedor do Ministério Público do Rio Grande do Sul,
Luciano de Freitas Brasil:
Não se pode admitir que, após a promulgação da Carta de 1988 e em face das grandes transformações operadas no direito contemporâneo, continue-se a aplicar de maneira
acrítica os institutos próprios do Direito Administrativo Disciplinar, sem maior reflexão ou profundidade de análise. (BRASIL, 2009)
Dessa forma, vislumbra-se um novo enfoque sobre a matéria, refletindo esse

A partir do momento em que a área correcional operar a passagem de ummodelo extremamente hierarquizado para um modelo aberto à participação de todos, com o fim de antecipar-se à ocorrência de danos ao interesse público, estar-se-á aproximando dos ideais desse novo paradigma de Estado. Assim, a atividade correcional representará, de fato, um instrumento de aperfeiçoamento do serviço.

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